Por Ana Maria
Monteiro
Professora de Didática e Prática de Ensino de História da Faculdade de
Educação da UFRJ. Mestre em História pela UFF. Doutoranda em Educação pela
PUC/RIO.
Imagem: https://conjecturasjuridicas.blogspot.com/2016/03/a-arte-de-ensinar.html
A Prática de Ensino e a formação inicial
Durante o processo de formação inicial,
a Prática de Ensino tem um lugar e uma importância especial e
única. É no decorrer de suas atividades que os estudos realizados podem ser
relacionados e criticados a partir da observação e vivência de experiências
significativas. É um momento muito rico para a realização do movimento
ação-teoria-ação, tendo o docente em formação oportunidade para debater com os
professores das turmas onde realiza o estágio, com o professor de Prática de
Ensino e com outros professores do curso, as diferentes implicações e
significados das ações observadas. Sob a supervisão destes profissionais, a
mediação didática, ao ser realizada, permite o aprendizado da mobilização e
criação do saber escolar, sendo que ansiedades, preconceitos e posturas
corporativistas podem ser objeto de reflexão crítica e superação.Professores
mais experientes que são, não estão ali para julgá-lo mas, sim, para ajudá-lo a
analisar sua prática, observar e controlar impulsos, emoções, hostilidade em
face da atitude de certos alunos, indiferença perante alguns sinais. Pessoas
que estão ali para "ajudar a construir o habitus, não em circuito
fechado, mas 'a medida de uma interação entre a experiência, a tomada de
consciência, a discussão, o envolvimento em novas situações." (Perrenoud:
1993, 109).
Esse momento, portanto, é aquele de
início de constituição do saber da experiência, um saber que Tardif, Lessard e
Lahaye consideram o "núcleo vital do saber docente", a partir do qual
os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os
saberes, em relações de interioridade com sua própria prática.
A atividade na Prática de Ensino não
pode ser pontual e rápida. É preciso que o licenciando acompanhe a vida de uma
ou mais turmas, por um período de tempo razoável, e que vivencie o maior número
de experiências possíveis, entre aquelas que se desenvolvem no espaço escolar,
inclusive aquelas que se desenvolvem fora da sala de aula. Ao realizar as
atividades de docência, ele deve agir com uma turma que já conhece. Ao longo do
trabalho, o registro e a discussão das experiências permite a teorização da
prática e o desenvolvimento de uma competência profissional.
Além disso, a Prática de Ensino é
momento especialmente importante e rico porque o licenciando vive a experiência
como um "ritual de passagem" onde ele, o professor em formação, é
ainda aluno e, portanto, tem a sensibilidade aguçada para perceber as
repercussões da ação educacional com os olhos de quem ainda se sente como tal.
Certamente essas experiências podem deixar marcas bastante significativas,
referências para toda a vida profissional posterior, espaço estratégico de
socialização profissional.
É muito importante que a Prática de
Ensino seja efetivamente um espaço que possibilite a reflexão teórica sobre a
ação. Pouco valem muitas horas de prática, com os licenciandos assumindo turmas
sem supervisão e orientação. Sem reflexão crítica, servem, na maioria dos
casos, para sedimentar práticas conservadoras e autoritárias, com tristes
resultados para os alunos.
Na Prática de Ensino, abrem-se, também,
oportunidades para a participação em pesquisas em educação, campo muito rico de
possibilidades e contribuições para situar o professor em formação em contextos
de produção de conhecimentos, contribuindo para que ele se sinta sujeito nos
processos em que está participando.
Concluindo, a Prática de Ensino que já
foi concebida como espaço de treinamento e avaliação de uso de técnicas de
ensino, ganha uma dimensão estratégica no contexto da formação inicial e da
socialização profissional dos professores. Muitas vezes confundida com o
estágio, ela se realiza através dele mas não se limita ou reduz a ele, num
ativismo vazio. Ela é um espaço da práxis, onde teoria e prática dialogam e se
transformam. As experiências ali vivenciadas; mediadas pela reflexão sobre o
fazer, possibilitam rupturas e leituras renovadas das práticas cotidianas,
contribuindo para a formação do hábitus numa perspectiva mais
consciente e instrumentalizada sobre o significado de ser professor no mundo de
hoje, professores com competência reconhecida e valorizada, capazes de
desenvolver um trabalho de qualidade. Não a qualidade que exclui, que acirra a
competição como única motivação para o sucesso individual. Qualidade baseada na
busca do adensamento das vivências - pela variabilidade, profundidade e crítica
realizadas com embasamento teórico e sensibilidade. Qualidade que possibilite
formar professores que ensinem como nos ensinou Paulo Freire, a ler o mundo com
os pés no chão, com dignidade, ética e respeito pelo outro na conquista da
justiça social.