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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

A prática de ensino e a formação inicial de professores


Por Ana Maria Monteiro
Professora de Didática e Prática de Ensino de História da Faculdade de Educação da UFRJ. Mestre em História pela UFF. Doutoranda em Educação pela PUC/RIO.


Imagem: https://conjecturasjuridicas.blogspot.com/2016/03/a-arte-de-ensinar.html 




A Prática de Ensino e a formação inicial
Durante o processo de formação inicial, a Prática de Ensino tem um lugar e uma importância especial e única. É no decorrer de suas atividades que os estudos realizados podem ser relacionados e criticados a partir da observação e vivência de experiências significativas. É um momento muito rico para a realização do movimento ação-teoria-ação, tendo o docente em formação oportunidade para debater com os professores das turmas onde realiza o estágio, com o professor de Prática de Ensino e com outros professores do curso, as diferentes implicações e significados das ações observadas. Sob a supervisão destes profissionais, a mediação didática, ao ser realizada, permite o aprendizado da mobilização e criação do saber escolar, sendo que ansiedades, preconceitos e posturas corporativistas podem ser objeto de reflexão crítica e superação.Professores mais experientes que são, não estão ali para julgá-lo mas, sim, para ajudá-lo a analisar sua prática, observar e controlar impulsos, emoções, hostilidade em face da atitude de certos alunos, indiferença perante alguns sinais. Pessoas que estão ali para "ajudar a construir o habitus, não em circuito fechado, mas 'a medida de uma interação entre a experiência, a tomada de consciência, a discussão, o envolvimento em novas situações." (Perrenoud: 1993, 109).

Esse momento, portanto, é aquele de início de constituição do saber da experiência, um saber que Tardif, Lessard e Lahaye consideram o "núcleo vital do saber docente", a partir do qual os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes, em relações de interioridade com sua própria prática.

A atividade na Prática de Ensino não pode ser pontual e rápida. É preciso que o licenciando acompanhe a vida de uma ou mais turmas, por um período de tempo razoável, e que vivencie o maior número de experiências possíveis, entre aquelas que se desenvolvem no espaço escolar, inclusive aquelas que se desenvolvem fora da sala de aula. Ao realizar as atividades de docência, ele deve agir com uma turma que já conhece. Ao longo do trabalho, o registro e a discussão das experiências permite a teorização da prática e o desenvolvimento de uma competência profissional.

Além disso, a Prática de Ensino é momento especialmente importante e rico porque o licenciando vive a experiência como um "ritual de passagem" onde ele, o professor em formação, é ainda aluno e, portanto, tem a sensibilidade aguçada para perceber as repercussões da ação educacional com os olhos de quem ainda se sente como tal. Certamente essas experiências podem deixar marcas bastante significativas, referências para toda a vida profissional posterior, espaço estratégico de socialização profissional.

É muito importante que a Prática de Ensino seja efetivamente um espaço que possibilite a reflexão teórica sobre a ação. Pouco valem muitas horas de prática, com os licenciandos assumindo turmas sem supervisão e orientação. Sem reflexão crítica, servem, na maioria dos casos, para sedimentar práticas conservadoras e autoritárias, com tristes resultados para os alunos.

Na Prática de Ensino, abrem-se, também, oportunidades para a participação em pesquisas em educação, campo muito rico de possibilidades e contribuições para situar o professor em formação em contextos de produção de conhecimentos, contribuindo para que ele se sinta sujeito nos processos em que está participando.

Concluindo, a Prática de Ensino que já foi concebida como espaço de treinamento e avaliação de uso de técnicas de ensino, ganha uma dimensão estratégica no contexto da formação inicial e da socialização profissional dos  professores. Muitas vezes confundida com o estágio, ela se realiza através dele mas não se limita ou reduz a ele, num ativismo vazio. Ela é um espaço da práxis, onde teoria e prática dialogam e se transformam. As experiências ali vivenciadas; mediadas pela reflexão sobre o fazer, possibilitam rupturas e leituras renovadas das práticas cotidianas, contribuindo para a formação do hábitus numa perspectiva mais consciente e instrumentalizada sobre o significado de ser professor no mundo de hoje, professores com competência reconhecida e valorizada, capazes de desenvolver um trabalho de qualidade. Não a qualidade que exclui, que acirra a competição como única motivação para o sucesso individual. Qualidade baseada na busca do adensamento das vivências - pela variabilidade, profundidade e crítica realizadas com embasamento teórico e sensibilidade. Qualidade que possibilite formar professores que ensinem como nos ensinou Paulo Freire, a ler o mundo com os pés no chão, com dignidade, ética e respeito pelo outro na conquista da justiça social.

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